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​GIANNI PATUZZI  

1948-58: o ambiente vêneto

 

Em juventude o interesse pela arte foi despertado com o primeiro contato, na Accademia di Belle Arti de Veneza, com o impressionismo e o expressionismo. Mas foi nas bienais de Veneza, no imediato pós Segunda Guerra, que Gianni Patuzzi teve contato com a poesia matérica de Klee e com o absolutismo abstrato de Mondrian. A partir daquele duplo encontro, para Patuzzi a arte não poderia mais ser representativa: a abstração deveria se basear na matéria, contendo um sentido dramático.

 

Nas décadas de 1950 e 1960, aprofundou seus contatos com o círculo do Fronte nuovo delle Arti  - particularmente com Alberto Viani - e com o espacialismo de Lucio Fontana. Foi no contato íntimo com essa vanguarda artística do ambiente vêneto que Patuzzi desenvolveu o desenho como um valor. O ato de desenhar não atendia mais a exigência da visualização gráfica nos moldes acadêmicos, assumindo uma função experimental condicionante, como instrumento que possibilitava um conhecimento profundo da forma, de todos os seus detalhes estéticos, bem como das possibilidades técnicas de realização, de modo a permitir escolher a matéria que adequadamente pudesse realizá-la. Até hoje, em seu atelier-oficina, Patuzzi não abre mão da fase de desenho e projeto de suas obras, sejam telas, esculturas, monumentos ou objetos de design: etapa fundamental que determina a matéria mais adequada para dar vida a uma forma, a um conceito, inclusive exigindo uma grande dose de experimentalismo e de invenção no campo dos instrumentos de pintura e dos pigmentos que transmutam qualquer material, cimento, pedra, areia, óxidos, acrílico, gesso, em uma intervenção poética, ou melhor, em uma poética da matéria.

 

A sólida formação em desenho, aliada ao conhecimento tecnológico oriundo do trabalho com quase todos os materiais sempre caracterizaram a trajetória artística de Patuzzi, idealizador e executor de todas as suas obras, definindo-o como um artista completo, profundo conhecedor de seu ofício, relacionando organicamente conceito, forma e matéria. Deste modo, foi-lhe possível estabelecer um diálogo entre campos tradicionalmente distintos, como o da pintura e da arquitetura, o que se traduziu na libertação “arquitetônica” do plano do quadro, posto em comunicação com o espaço que o envolve, bem como na inclusão do suporte das esculturas no conjunto estético da obra, a qual torna-se fulcro poético em um espaço-ambiente.

 

A obra juvenil mais representativa deste diálogo entre arte e arquitetura na perspectiva scarpiana é Andante di Vivaldi nella laguna veneta (1951), executada para responder ao convite de participação à exposição de pinturas da galeria Bevilacqua La Masa (Veneza). Uma chapa marmórea cuja superfície foi esculpida de modo a criar um plano vibrante, de claros-escuros que remetem o espectador ao grafismo em papel, enquanto uma linha de ferro, ondulante e suspensa, projeta sua sombra naquele plano poético, remetendo a memória ao movimento do andante de Vivaldi. O fato de ter sido idealizada para ser apoiada em um suporte específico, minuciosamente projetado para complementar o conceito da obra, ao invés de ficar pendurada, bem como o uso de materiais não usuais para a pintura foram interpretados como atos inconformistas e levaram a comissão organizadora da exposição a exigir a sua exclusão "já que não se trata de pintura, pois não há cor".  A solução foi simples: Patuzzi criou polemicamente uma mancha vermelha casual.

 

Naqueles anos outro encontro foi fundamental: Fontana e o espacialismo, absorvido como afirmação categórica de que qualquer ação é um fazer no espaço, denuncia radical de todas as “representações” e “delimitações” do espaço pictórico. Neste sentido, Fontana exerceu um estímulo profundo e representou uma segunda libertação: a destruição do plano convencional do quadro, tanto na sua dimensão plana, quanto no limite da moldura, levando à elaboração de obras onde do plano - suporte matérico, dramático ou poético – distancia-se o elemento formal, muitas vezes projetado para frente. Não uma linha em tensão “pintada” mas um fio de aço arquitetonicamente conectado ao plano que permite ao elemento formal – um prisma, por exemplo – ficar suspendido no ar, móvel em outra dimensão, conferindo enorme dinamismo à obra e anulando a falsa ambigüidade do espaço interno/externo da pintura acadêmica.

Esta dupla libertação - a anulação das fronteiras entre arte e arquitetura com Scarpa e a negação da delimitação convencional do plano pictórico com Fontana – se completa com o diálogo com Viani, que Patuzzi conheceu quando freqüentava o liceu artístico. Viani era então professor de escultura à Accademia di Belle Arti de Veneza e já sobressaia nesse ambiente vêneto por sua reinterpretação da poética clássica definindo o volume e a plasticidade de suas esculturas através do diálogo entre matéria e luz.

 

Os encontros no atelier em Mestre do jovem Patuzzi, a troca de obras e a colaboração do ex-professor, quase 20 anos depois, no Grupo Forme e Superfici, assinalam a importância deste diálogo, que serviu para alimentar em Patuzzi os experimentos de como o espaço externo pode intervir na obra, de como a luz pode ”escorregar” pelo mármore polido ou fazer vibrar a cor e suas tonalidades.

Às vezes o espaço externo intervêm como reflexo ou penetra na fenda de uma escultura ou até mesmo se expressa nas dobras involuntárias de uma folha de jornal, como na litografia veiculada pelo periódico Informazione Arte, a Venere di Milo (1975), definida como uma pintura gestual, “o registro de um movimento no espaço (...) concebido prevendo a nível estético a intervenção externa das dobras que o jornal assumirá no momento da distribuição. (...) Enquanto o grafismo assegura uma imponência expressiva à obra, o efeito quadriculado central lhe acrescenta um valor de perspectiva e as dobraduras inevitáveis das folhas do jornal lhe conferem propositalmente uma inusitada dimensão espacial”. Conclui então o crítico a seu respeito: “Pintor e escultor de notável potência criadora, Gianni Patuzzi elabora o expressionismo abstrato de Vedova e (...) o conceito espacialista de Fontana levando adiante há anos um discurso pessoal (...) baseado na conquista do espaço através da forma, à qual luz e matéria conferem uma livre mobilidade da terceira dimensão” (Arnaldo Graglia).

 

 

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